São tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, que por vezes algumas delas passam sem que sejam percebidas, mesmo eu me trabalhando sensivelmente para aprender a ver e sentir além do óbvio. Na tarefa árdua da escrita e de viver, ao tentar desmascarar situações opressivas presentes próximas ou não, corro o risco de permanecer apenas na superficialidade da discussão.
Tendo consciência de que em determinadas circunstâncias “ir mais fundo” representa sair do comodismo e falar de coisas que tenho consciência do quanto sejam más, porém no momento da fala/ação não sei ou não consigo me expressar como gostaria. Isso felizmente não acontece em demasia, mas não é sempre que ao presenciar ou participar de situações opressivas tenho coragem e resistência suficientes para me posicionar contra.
Pois bem, gostaria mesmo assim de levar ao conhecimento dos colegas um pouco do pensamento crítico que tenho construído ao longo de minha permanência no curso de teatro e agora, especificamente fazendo parte da disciplina Estética do Oprimido. Se perceber nesse momento me dá a sensação de estar sendo libertado, adquirindo poder transformador.
Vou tentar aqui observar uma empresa presente em Jequié no que diz respeito às opressões e danos causados aos seus funcionários através de sua política de funcionamento, essa trabalha com o chamado: “Quadro reduzido”. Diminui o número de funcionários ao máximo sobrecarregando as atividades e horários daqueles que por fatores externos são obrigados a permanecer. “Mas isso não é um espetáculo.”
Entre outras que para mim também adotam um regime abusivo de funcionamento escolhi a empresa “G” como objeto dos meus comentários. Ela obriga que seus escravos trabalhem todos os dias sem direito a feriado, final de semana e horário fixo de trabalho, mas entendo que, além disso o que se torna mais grave ainda é a privação de desenvolvimento intelectual e sensível causada a essas pessoas. Digo isso porque conheço alguns dos trabalhadores que ainda permanecem por lá e sei o quanto quiseram, mas deixaram de ir a espetáculos e movimentos teatrais que discutem temas variados das relações cotidianas por conta do trabalho. Não puderam estar em shows de música e de dança que eu os convidei. Arte liberta.
Em cinco anos, quantos finais de semana e feriados perderam longe da família, amigos, viagens, poesias e passeios? Da vida? E não é preciso ser especialista em nada para perceber que historicamente as pessoas não têm acesso a elas mesmas e de determinada forma também contribuem com a permanência dessas estruturas por permanecerem imóveis em situações opressivas.
Os poderosos gostam muito disso.
“Trabalhadores é hora de perder a paciência.”
A possibilidade de inverter os lados é nossa se somos nós que sofremos tais angústias, precisamos boicotar, deixar de comprar na empresa “G”, nós trabalhadores precisamos exigir, estranhar, não se acostumar, não ouvir a fala do especialista, do economista.
Por que as coisas estão assim? Quem é que deseja que continuem assim? Há casa para todos, terra para todos, comida e roupa? Só precisamos perder a despreocupação.
*Palmeiron Andrade é estudante do 6º Semestre de Licenciatura em Teatro na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Campus Jequié. Artista plástico, ator, cantor.
REFERÊNCIAS:
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 14º ed. 2011.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 11º ed. 2011.
ESPETÁCULO TEATRAL: ESTE LADO PARA CIMA, Brava Companhia. São Paulo. Brava Companhia, 2012.
Lindo texto. Adoro sempre ler as produções de Palmeiron. Muito sensível, questionador e sobretudo preza pelo Respeito.
ResponderExcluirObrigado por este texto.
^^
Também gosto da forma sincera e meiga com a qual Palmeiron se expressa, mesmo quando o assunto é espinhoso. Drica.
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